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EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE UMA VISÃO CONSTITUCIONAL

Publicado Revista Ajuris – 15/02/2011

Por: Clóvis Fedrizzi Rodrigues

Doutorando em Direito pela Universidade de Granada – Espanha

Mestre em Direito pela Universidade de Granada – Espanha

Pós-Graduado em Direito Processual Civil

Professor de Processo Civil

Advogado

Resumo: A exceção de pré-executividade, assim denominada majoritariamente pela doutrina, é uma criação desta, sem previsão legal expressa no sistema positivado, respaldada, porém, pela jurisprudência, alcançando posição de instituto jurídico, com regime razoavelmente definido, sistematizado e aceito perante o cenário jurídico nacional, denotando interesse para vários estudos doutrinários. Considerada como meio de defesa do executado no processo de execução, sem a necessidade de oposição dos embargos, permite a manifestação do devedor no processo de execução, sem prévia garantia do juízo, em respeito as garantias e princípios constitucionais.

 

ABSTRACT: The execution  of is pre executive, denominated like this for the most part by the doctrine, it is a creation of this, without legal forecast expressed in the system written, backed, however, for the jurisprudence, reaching legal institute position, with regime reasonably defined, systematized and  accept before the national juridical scenery, denoting interest for several doctrinaire studies. Considered as middle of defense of the executed in the execution proceeding, without the need of opposition of the seizures, it allows the debtor’s manifestation in the execution proceeding, without previous it guaranteed of the judgments, in respect the warranties and constitutional beginnings.

Sumário: 1. Introdução 2. Histórico; 3. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução; 4. Surgimento da Exceção de Pré-Executividade; 5. A Reforma Processual e a Exceção de Pré-Executividade; 6. Fundamentos Constitucionais; 6.1. Princípio do Devido Processo Legal; 6.2. Princípio do Contraditório e Ampla Defesa; 6.3 Tutela Jurisdicional; 6.4. Direito de Petição; 6.5 Direito de Propriedade; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Especificamente, a defesa que o executado tem frente ao processo de execução, possui previsão legal no Código de Processo Civil, artigo 736[2], denominado embargos do devedor. A sua propositura tem como requisito a garantia do juízo por meio da penhora.

e um modo geral, a doutrina e a jurisprudência tem aceitado a exceção de pré-executividade nas hipóteses relacionadas às matérias que o juiz pode e deve conhecer de ofício, ou seja, matérias de ordem pública, tais como: pressupostos processuais e condições da ação, nos termos do art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil, além dos casos de nulidade do título, previstos no artigo. 618 da lei adjetiva e, penhora de bem impenhorável. Existem posições que ampliam seu alcance, homenageando as matérias de mérito, tais como: prescrição, decadência, pagamento, transação, novação, etc.

Dos fundamentos constitucionais, denota-se diversas garantias que vem a justificar o instituto da exceção de pré-executividade, eis que a execução tem início exatamente com ato de agressão ao patrimônio do devedor – isto é, a penhora. Cumpre aqui frisar, que o presente texto não questiona a constitucionalidade da exigência da prévia garantia do juízo para oposição de embargos do devedor, ou como mais bem definido, embargos do executado.Limitar-nos-emos a manter a discussão em um momento anterior da referida ação, qual seja, o ataque aos requisitos da própria ação de execução e o título, ainda que entendamos passível de discussão acerca da constitucionalidade da limitação/restriçãosobre a propriedade, por normatização infraconstitucional, como condição para oposição dos embargos.

Ao par disso, conectado as garantias constitucionais e infraconstitucionais, o juiz deve ter atenção redobrada ao despachar a citação, o fazendo, somente quando satisfeitos todos os requisitos exigidos por lei, incluindo aí, de forma genérica, os pressupostos processuais e as condições da ação.

2. Histórico

Nos primórdios, especificamente no direito romano, o credor podia exigir a dívida do devedor, de modo privado e corporal. Evoluiu, entretanto, o sistema cruel em que o credor não mais poderia retirar todo o patrimônio do devedor, ou até exigir o crédito através da força física.[3]

Já o direito germânico era totalmente diferente, onde se considerava toda a falta de cumprimento da obrigação assumida como ofensa a própria pessoa do credor, restando este autorizado a reagir com força para buscar seu direito.[4]

O processo de execução atual teve influência do direito romano e germânico, sendo daquele, segundo preceituou Liebman que: “o direito romano observou com grande rigor o princípio, segundo o qual deviam conhecer-se as razões das partes antes de fazer-se a execução”.[5]

O direito brasileiro, portanto, sofreu a influência de ambos. Do direito romano, recepcionou a cognição e, do direito germânico, a preponderância da execução sob a cognição.[6]

No decorrer dos tempos, houve grandes mudanças na própria concepção de Estado, passando cada individuo abrir mão de sua liberdade individual em prol daquele, dentro dos limites da legalidade. Dinamarco, bem se manifesta nesse sentido que: “no estágio atual de nossas instituições políticas, é o Estado que, em princípio, dita as normas que regem as relações interindividuais e garante o seu cumprimento. Sua autoridade repousa, antes de tudo, na consciência comum da necessidade de um ente assim superior, que possa assegurar o funcionamento harmonioso das regras de convivência”. [7]

3. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Como já foi dito, os princípios constitucionais funcionam como fundamento de validade das normas infraconstitucionais, aplicáveis necessariamente, a todos os processos, justamente por estarem ínsitos num plano de superioridade hierárquica.

Desta forma, também o princípio do contraditório aplicar-se-á a todos os provimentos jurisdicionais, inclusive o executivo. Destaca-se esta aplicabilidade quanto ao processo de execução, em virtude da maneira peculiar como o contraditório nele se apresenta, e que é basilar para o desenvolvimento do tema deste estudo.

Há autores que defendem a inexistência de contraditório na execução, ante o seu caráter eminentemente de satisfação do crédito. Possui tal entendimento Alcides Mendoça de Lima e nada menos que o saudoso Liebman.[8]

Entendemos s.m.j., incorreto esse posicionamento, pois a inexistência de contraditório na execução acarretaria na necessidade de se admitir que a execução não seria um processo. Isto porque o dispositivo constitucional que trata do tema assevera: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Vê-se que a incidência deste preceito recai sobre todos os processos, incluindo-se, portanto, o processo executivo. Entendimento contrário importaria negar-se as garantias constitucionais anteriormente referidas ou defender-se que a execução não se realiza através de um processo.

4. SURGIMENTO DA EXCEÇÃO DA PRÉ-EXECUTIVIDADE

Alguns autores[9]sugerem que o surgimento do instituto se deu pela primeira vez quando o insigne jurista Pontes de Miranda, em parecer solicitado pela Cia. Siderúrgica Manesmann, em 1966, manifestou-se da possibilidade do instituto.

O conhecido parecer n. 95 relata que a siderúrgica sujeitou-se a várias execuções no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, além de pedidos de falência, por supostos débitos, suportados, em títulos com assinatura falsificada de um de seus diretores, engendrados com a finalidade de liquidar com a empresa[10].

Essa, todavia não foi a primeira manifestação de Miranda[11]a admitir defesa antes da garantia do juízo, pois em comentários ao Código de Processo Civil de 1939, o mesmo já admitia essa espécie de defesa interna na execução antes dos embargos.

No campo legislativo, Dantas dá como raiz histórica desta exceção o Decreto Imperial nº. 9.885, de 1888, que em seus artigos 10 e 31.

O Decreto 848, de 11.10.1890, que dispunha sobre a organização da Justiça Federal, também apresentava uma previsão do instituto.

Anos depois, o Decreto n.º 5.225, de 31.12.1932, do Rio Grande do Sul, instituiu, em seu art. 1º, a exceção de impropriedade do meio executivo, por meio da qual a parte, citada para a execução, poderia, de imediato, opor exceções de suspeição, incompetência e de vícios do meio executivo.[12]

De qualquer modo, como vimos no tópico anterior, o primeiro a disseminar a possibilidade do instituto, nos termos em que é vista atualmente, foi Pontes de Miranda.

5. A reforma processual e a exceção de pré-executividade

O diploma processual passa e passou por várias reformas. Segundo Wambier, na II Jornada de Direito Processual, promovida pelo Instituto de Direito Processual, ao participar da mesa de trabalhos, do qual faziam parte os dois grandes responsáveis pelas mudanças, Ministros Sálvio Teixeira e Athos Carneiro, presentes também o Desembargador Paulo Furtado do Tribunal de Justiça da Bahia e a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, comentou que já naquela época fora proposto a inclusão, no Código de Processo Civil, de forma expressa o instituto da exceção de pré-executividade.[13]

Da referida proposta, apenas em parte foi aceita, com a inclusão do parágrafo segundo no artigo 604 do Código de Processo Civil, pela Lei 10.444/02. Contudo, pelo exposto, a reforma da legislação processual após o advento da promulgação da Carta Constitucional, deveria vir para a ela se enquadrar, pois, como assevera Dinamarco: “em boa medida, o movimento reformador do Código de Processo Civil está ligado ao advento da Constituição Federal de 1988, que realçou significativamente o compromisso do Estado brasileiro por uma tutela jurisdicional a quem tiver razão, mediante um processo justo, acessível e realizado em tempo razoável”.[14]

Nos resta concluir que não vislumbramos, nas reformas, qualquer intenção de regulamentar o instituto da exceção de pré-executividade. Talvez, essa assertiva se dê, em razão de sua aplicabilidade decorrer dos princípios lógicos do processo civil e constitucional, já expostos.

6. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS

As normas e/ou princípios constitucionais, segundo preceituado, por Alexi[15], por exemplo, atribui a estas a categoria de agentes optimizadores do sistema normativo, dentro de um procedimento de interpretação das normas infraconstitucional.

Infelizmente, a nossa cultura jurídica, tem forte tendência de interpretar as normas legais partindo da periferia para o centro, privilegiando ou tendo como ponto de partida sempre uma norma infraconstitucional. O direito constitucional passado, por não ostentar a legitimidade das urnas, não era o foco ou ponto de partida dos intérpretes. E essa tendência, infelizmente, teve e ainda tem, lúcidos adeptos, eis que é comum vermos em decisões judiciais esse tipo de interpretação periférica.

Com efeito, uma Constituição não é mero pedaço de papel, não pode ser um emaranhado de letras miúdas inexeqüíveis, seja rígida ou não. Uma Constituição de um povo culturalmente evoluído não pode ser mera Carta de intenções, devendo ser respeitados seus princípios.

A partir dessas idéias, entendemos necessário a interpretação sistemática dos princípios e garantias constitucionais no processo de execução civil, em todo seu conjunto, para assim, melhor proporcionar um sistema processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à justiça, por meio do devido processo legal, assegurando o contraditório e ampla defesa.

A nossa Constituição, quando trata das relações entre indivíduo e Estado, ou da sociedade para com este, deve balizar o relacionamento através de determinados princípios, que por serem normas de direitos fundamentais, aplicáveis a ordem processual, optimizam a referida relação processual. Neste sentido, assevera Dinamarco: “os princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos como fetiches da ordem processual” [16]

Rosa de forma clara e resumida, afirma que os princípios constitucionais devem ser apreciados com grandeza antes de ser agredido o patrimônio do devedor: “em se tratando de execução, processo que atinge diretamente o patrimônio do cidadão, a observância dos princípios constitucionais e legais deve ser máxima”.[17]

6.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Devido processo legal, segundo uma ótica restrita, é aquela garantia em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite o contraditório e ampla defesa, ou seja, assegura que todo o sistema processual deva caminhar em conformidade com o previsto em lei, oportunizando que as partes se defendam com todos os meios legalmente previstos.

Nery Junior, chega a concluir que a garantia do devido processo legal é tão abrangente que, se prevista no caput do artigo 5º da Constituição, a maioria dos incisos seriam dispensados. Afirma, outrossim, que o grande número de incisos seriam uma forma de enfatizar a importância dessa garantia[18].

Costa salienta ser “o devido processo legal, princípio constitucional constitucionalizado (art. 5º, LIV), endereça-se à proteção da parte como o próprio mecanismo do Poder Judiciário ou dos Poderes Legislativo e Executivo.”[19]

Ou seja, nenhum ato de Estado, genérico ou específico, pode atingir o patrimônio ou atingir a liberdade das pessoas, a não ser que esse ato seja condicionado, seja filtrado, seja regrado pelos postulados do devido processo legal que significa que qualquer processo esteja precedido da obediência dos ditames do contraditório e da ampla defesa.

Portanto o atual texto constitucional consagra a garantia de que ninguém estará sujeito a sofrer agressões em seu patrimônio, sem o devido processo legal, artigo 5º, LIV, reconhecendo-lhe, em todos os processo, mesmo nos administrativos, o contraditório e ampla defesa, artigo 5º, LV.

Partindo dessa visão constitucional, temos que os argumentos que não acolhem a exceção de pré-executividade estão em sentido contrário ao que a Carta Política assegura.

Havendo um processo descrito na lei, este deverá ser seguido de forma a resguardar tanto os interesses do autor, como os interesses do réu, de forma igualitária, sob pena de ferimento de outro princípio constitucional, qual seja, da isonomia, que também rege a relação processual. No entanto, deve ser interpretado a exigência da garantia do juízo no processo de execução, com cautela, sob pena de se negar à tutela jurisdicional, princípio constitucional de extrema relevância, como veremos no tópico específico.

6.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, prevê que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Atualmente com as alterações do Código de Processo Civil, busca-se constantemente a sumarização do processo, principalmente através da abreviatura do contraditório e da ampla defesa, sob o argumento da necessidade da efetividade processual, em razão da morosidade da justiça. No processo de execução, esses argumentos são ainda mais invocados.

É de se ressaltar, que as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, não estão sujeitas a qualquer limitação, inclusive por ser uma “garantia”, pois a jurisdição é monopólio do Estado e que deve ser exercido com a observância de um processo justo. Outrossim, a morosidade processual existe na maioria dos casos em virtude da negligência e omissão estatal, que não proporcionam aparelhamento e material humano adequado, portanto antes de se rechaçar garantias constitucionais deve-se rever primeiramente as obrigações do próprio Estado.

Evidentemente que não se pretende aqui defender que o processo de execução se torne outro processo de cognição, mas se deve, resguardar minimamente os princípios elencados na Carta Política, sob pena de ferimento do Estado Democrático de Direito.

6.3 TUTELA JURISDICIONAL

Quando a Constituição prevê que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, artigo 5º, XXXV quer dizer que para todos é dado o direito de ir a juízo, para buscar a tutela jurisdicional seja ela preventiva ou reparatória de um direito afetado. O direito de ação abrange tanto os direitos individuais quanto os difusos e coletivos.

Assim, seria até mesmo uma violação do preceito constitucional exarado no art. 5º, XXXV, da Magna Carta[20], quando garante que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito, o não-reconhecimento do direito de acionar o Poder Judiciário, por parte do devedor sucumbente em processo de execução, quanto o eventual direito seu, impeditivo, modificativo ou extintivo do título que deu ensejo à desapropriação forçada de seu patrimônio.

A garantia de acesso à justiça corresponde ao fato de que o Estado haverá de prestar uma proteção efetiva dos direitos individuais, difusos e coletivos, sendo que na noção de efetividade estão inseridas as linhas mestras da validade, vigência e eficácia. É a resposta do Estado à pretensão da parte, no caso, é o direito materialmente pretendido, concebendo-se num direito efetivamente conferido e tutelado pela ordem estatal. É o império da ordem pública regulando os conflitos particulares.

A esse respeito, conclui Marioni dizendo que: “é possível afirmar até mesmo que a inserção da locução ‘ameaça a direito’ na nova verbalização do princípio da inafastabilidade teve por fim deixar claro que a tutela preventiva é constitucionalmente garantida.”[21]

Evidentemente que o direito da ação está vinculado as condições da ação. No caso da ação executiva, essa condição se perfectibiliza pela garantia do juízo por meio da penhora. De certo modo é verdade, entendemos assim, pois a Constituição Federal ao garantir o direito de ação a condiciona em certas normas infraconstitucionais, por exemplo, não pode alguém alegar ferimento ao dispositivo constitucional se não for parte legitima. Assim sendo, não se nega a tutela jurisdicional, mas vinculam-se as suas condições, expressamente prevista na legislação processual.

De outra parte, a lei exige o pagamento de custas e capacidade postulatório, mas também a legislação prevê, isenção de custas, e possibilita advogado gratuito para aqueles que não podem pagar. Nesse passo, não há ferimento ao preceito constitucional. Diferentemente seria, se a parte fosse legitima e não tivesse condições de pagar advogado e custas processuais e não houvesse lei infraconstitucional que lhe garantisse o acesso à justiça.

Existem raras decisões no sentido de possibilitar a defesa na execução, sem a garantia do juízo, quando se tratar de pessoa pobre[22]

Sendo assim, a garantia constitucional do acesso à justiça evita que se crie obstáculo a sua utilização, de modo que, v.g., se o executado não possui bens para penhorar e exercer seu direito de defesa por meio dos embargos, não pode ser obstaculizado de forma literal, em respeito ao princípio constitucional do direito de ação.

Bojunga em artigo publicado chegou a asseverar que o requisito da segurança do juízo contraria o dispositivo constitucional de acesso à justiça: “o condicionamento da penhora ou depósito para o exercício de ação incidental de embargos do devedor, que seria medida cabível, contraria e excepciona o art, 5º, XXXV da vigente CF.”[23]

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça no Resp. 7.410 – MS, Relator o Ministro Athos Gusmão Carneiro decidiu: “[…] outra hipótese, em que creio não ser o caso de se exigir a segurança do juízo, é aquele caso em que o executado, pobre, não dispõe de bens para oferecer à penhora. Não é possível, dentro do sistema jurídico constitucional brasileiro, em que se assegura o pleno contraditório, limitá-lo, desta maneira, contra pessoas economicamente carentes.”[24]

6.4 DIREITO DE PETIÇÃO

Não há que se confundir o direito de petição com direito de ação, o significado do vocábulo petição, segundo o dicionário Aurélio[25]é requerimento, ou seja, bem diferente vocábulo ação, que é um direito público subjetivo.

O direito de petição tem na essência e no objetivo a proteção contra atos da autoridade pública e é dirigida a autoridade para noticiar a existência de ilegalidade ou abuso de poder, sem qualquer requisito legal para interposição.

Outrossim, o direito de ação é um direito público e subjetivo necessitando dos pressupostos legais de condições da ação para a obtenção da tutela jurisdicional, ou seja, sofrem limitação ao seu exercício.

Em decorrência disso, podemos resumir que facilmente se justificaria a exceção de pré-executividade,  na forma da garantia constitucional do direito de petição, quando a execução decorresse de ato ilegal do juiz que deferisse a ordem de pagamento em 24 horas decorrente de um processo absolutamente nulo.

O Superior Tribunal de Justiça, pela palavra do Rel. Min. Eduardo Ribeiro, da terceira turma, sentenciou que a nulidade do título, em que se alicerça a execução, pode ser oposta por simples petição, por ser suscetível de exame, de ofício, pelo magistrado, homenageando as Súmulas 346[26]e 473[27]do Pretório Excelso.

Realmente, se as decisões sumuladas ordenam que a Administração pode (sem receio, acrescentamos que ela deve, não apenas pode) anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, respeitados sempre os direitos adquiridos. Com razão bastante, entendemos que o Judiciário deve fazê-lo, de imediato, ao se confrontar com ato ou título maculado com nulidade ou de vício insanável.

6.5 DIREITO DE PROPRIEDADE

O resguardo do direito de propriedade configura-se como uma proteção endereçada aos particulares frente ao próprio Estado.

A concepção da Constituição, como norma suprema, faz com que seus princípios e valores se espalhem por todo o tecido normativo, alcançando a área tida como privada, posto que a Constituição. é precisamente a primeira das normas do ordenamento inteiro, a fundamental e superior.

Os Direitos Naturais do Homem já existiam antes da positivação das leis, por conceituados como direitos fundamentais de primeira geração, sendo universais, invioláveis e inalienáveis, pois todos os seres humanos nascem livres e semelhantes em dignidade e direitos, além de possuírem a razão e a consciência. A Constituição Federal vem assegurá-los, como valores supremos à sociedade, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, determinando punição a qualquer ação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais do homem.

Com efeito, entendemos que primeiramente é garantido o direito de propriedade e, sua perda, frente ao Estado, só se dá se ela não cumpra a função social.

 

Dito isso, e analisando sobre o aspecto do processo de execução, entendemos perfeitamente justificável a exceção de pré-executividade neste aspecto, eis que o Estado não pode expropriar os bens (propriedade) do executado, quando a execução não comportar os pressupostos de validade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de execução não tem como finalidade precípua à cognição e o contraditório, contudo, não restam dúvidas acerca da possibilidade da exceção de pré-executividade em sede de processo executivo, principalmente após o advento da Carta Magna. Posicionamento contrário importa, ao nosso ver, o problema acerca do seu não cabimento, em negar a natureza de processual as ações de executivas.

Em geral, a cognição e o contraditório, no processo executivo, concretizam-se através dos embargos do executado. Tal instrumento está justamente colocado à disposição do executado, como forma de oposição à execução.

Há situações, no entanto, em que a oposição à execução, através dos embargos do executado, é ineficiente, podendo causar ao suposto devedor, prejuízos desnecessários e injustos, face à exigência legal de só poderem os embargos ser opostos depois de seguro o juízo, ou seja, necessariamente os bens do executado serão alvo de um gravame/constrição.

Sendo a segurança do juízo verdadeiro pressuposto de admissibilidade dos embargos, deve ser analisado com cautela, para não se ferir as garantias e princípios constitucionais, uma vez que indisponibiliza os bens do executado, muitas vezes sem qualquer razão lógica ou jurídica para fazê-lo, como por exemplo, diante de um processo de execução absolutamente nula por não ser o título executivo exigível.  Não somente o direito de propriedade parece ser ferido, como o devido processo legal, da forma como exposto no presente texto.

A exceção de pré-executividade, desta forma, cumpre a finalidade de opor-se à execução, evitando que o executado sofra o ônus da penhora e estabelecendo um maior equilíbrio na relação processual executiva, em virtude da impossibilidade do executado opor-se à ação executiva, através dos embargos do devedor, sem sofrer o ônus da penhora.

Talvez não fosse necessária a exceção de pré-executividade, se o sistema processual brasileiro, tal como o sistema processual português, permitisse ao executado primeiro o direito à defesa, para só depois onerá-lo com a penhora.

Os argumentos em favor da garantia do juízo, no sentido de se evitar os meios protelatórios no processo de execução, seria facilmente resolvido com nova redação aos artigos 18 e 601 do Código de Processo Civil, ou seja, atribuindo uma condenação maior nos casos ali especificados. Ao par disso, poderia ser excluído do texto do art. 737 do CPC, a necessidade de segurança do juízo, que sem dúvidas, em muitos casos, afronta vários princípios constitucionais.

A propósito, outra solução pertinente para o problema do gravame da penhora, em casos de execuções, onde se poderiam suscitar as hipóteses do cabimento da exceção de pré-executividade, além de outras questões específicas, poderia ser resolvido de outra forma.  Em vez de se atribuir efeito suspensivo nos embargos, como regra, poderia ser passada essa verificação de necessidade ao juiz, tal como ocorre nos processos cautelares e nas tutelas antecipatórias, ou seja, presente fumus bonis iuris, periculum in mora ou verossimilhança, bem como os casos de nulidade da execução, artigo 618 do Código de Processo Civil, além dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação.

Por outro lado, para oposição dos embargos, não mais seria necessário à segurança inevitável do juízo, oportunizando ao executado a defesa após a citação. No entanto, não presentes os requisitos já mencionados, poderia ser oportunizado ao executado oferecer bens à penhora, suspendendo-se, assim, a execução.

Tal procedimento estimularia o oferecimento de bens a penhora, uma vez que o executado irá auferir uma vantagem, o que não ocorre na atualidade.

Desse modo, seriam resolvidos dois problemas, os de serem os embargos, em regra, sempre recebidos no efeito suspensivo, por força do artigo 739, parágrafo segundo do Código de Processo Civil, sumarizando o processo e, evitando meios protelatórios, vez que em muitos casos, os embargos estão fundamentados em matérias pacificadas. Também se evitaria a necessidade da exceção de pré-executividade, em face de uma execução indevida ou incorreta, garantido assim, o direito de ação, o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, sem ferir o direito de propriedade.[28]

Enfim, enquanto permanecer a atual sistemática, a exceção de pré-executividade continuará a ser útil e necessária, constituindo-se num verdadeiro e eficaz instrumento para o executado opor-se à execução que, como destaca Carnelutti, é um “instrumento por demais perigoso, principalmente quando visa à expropriação”[29]. Assim, a exceção de pré-executividade estabelece um maior equilíbrio na relação processual.

Pensamos que a norma constitucional, ao garantir o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa e, ao assegurar o direito de propriedade, assegura também os meios de defesa contra qualquer tipo de expropriação indevida. Da mesma forma, é assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos, incluindo-se nesse caso o Poder Judiciário em defesa de qualquer direito ou ilegalidade.

Por derradeiro, mesmo que existisse na legislação infraconstitucional, norma proibitiva da exceção de pré-executividade, não passaria pelo filtro constitucional, eis que não seria recepcionada, face o artigo 5º da Constituição Federal, em regra, ser direito fundamental de primeira geração.

REFERÊNCIAS

ALEXI, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.

ASSIS, Araken de.exceção de pré-executividade.Revista da Ajuris, Doutrina e Jurisprudência,Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Sul Porto Alegre, v. 26, n. 78, p. 24-37, jun. 2000.

______ . Manual do processo de execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil e Constituição Federal. Organizador Yussef Said Cahali. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

______ . Código de Processo Civil. Atualizado por Manoel Augusto Vieira Neto. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.

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