Fedrizzi Advogados – Fedrizzi Advogados Associados

Legitimidade Ativa e Interesse do Consumidor na Repetição Indébito do ICMS na Demanda de Energia

 

Por: Clóvis Fedrizzi Rodrigues

Doutorando em Direito pela Universidade de Granada – Espanha

Mestre em Direito pela Universidade de Granada – Espanha

Pós-Graduado em Direito Processual Civil

Professor de Processo Civil

Advogado

 

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente estudo demonstrará a legitimidade ativa e interesse do consumidor de energia elétrica na repetição indébito do ICMS diante da peculiaridade da situação fática que envolve o tema. Contudo, indispensável um estudo prévio sobre o sistema normativo que envolve o ICMS, bem como uma breve explicação sobre a demanda de energia e sua diferenciação com consumo de energia.

Palavras-chave: Demanda – Energia – ICMS – Legitimidade ativa – Interesse

Abstract: This study will demonstrate the legitimacy active and interest of consumers of electricity in the repetition overpayment of GMST (Brazilian state excise tax) on the peculiarity of the factual situation surrounding the theme. However, a previous study on essential regulatory system involving GMST as well as a brief explanation of the energy demand and its differentiation from energy consumption.

Keywords: Demand – Energy – GMST ((Brazilian state excise tax) – Legitimacy active – Interest

Sumário: 1. Introdução – 2. Fato gerador do ICMS na energia – 3. Sujeito passivo da obrigação tributária – 4. Explicação sobre a demanda de energia – 5. Diferença entre demanda de energia e consumo de energia – 6. Legitimidade ativa e interesse do consumidor de energia na repetição do indébito – 7. Considerações finais – 8. Referências bibliográficas.

1. Introdução

            O ICMS, assim como o IPI, é tributo indireto razão pela qual sua restituição ao contribuinte de direito reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus financeiro ao contribuinte de fato.

A jurisprudência do STJ admitia a legitimidade ativa do consumidor para discutir ICMS sobre energia elétrica, até que no julgamento do Recurso Especial 903.394, sob o regime dos repetitivos, a 1ª Seção mudou o entendimento ao afastar a legitimidade ativa de uma distribuidora de bebida para questionar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ao entender que somente o “contribuinte de direito” tem essa prerrogativa.

            Posteriormente ao julgamento do citado recurso especial, o STJ no Recurso Especial 1.299.303/SC[1] sob o regime dos repetitivos, apreciou a questão da legitimidade do consumidor de energia elétrica para discutir a validade do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia e abriu uma exceção em sua jurisprudência e reconheceu a legitimidade “ad causam” do consumidor final.

            O fundamento nuclear do acórdão partiu da premissa de que há aumento de impostos, automaticamente há aumento de tarifas pelas concessionárias, por disposição normativa inerente à política tarifária dos serviços públicos concedidos, ou seja, o consumidor paga tributo, e não apenas preço fixado pelo mercado, diversamente do que acontece na generalidade das situações referentes ao ICMS. O voto condutor entendeu ainda, que as concessionárias não têm o menor interesse em mover ação de repetição de indébito. Diante disso, não seria possível negar legitimidade ao consumidor situação que implicaria negar o próprio acesso à jurisdição. Com base nesses fundamentos, passou o Superior Tribunal de Justiça conferir legitimidade ativa ao consumidor final para discutir em juízo a legalidade da tributação do componente tarifário e consequentemente postular a repetição do indébito.

            Com efeito, o Tribunal no acerto da premissa segundo a qual a distribuidora repassa o encargo tributário na tarifação por imposição normativa e paga tributo a título alheio, por conta do consumidor final, real contribuinte do ICMS, que, então, assumiria a dupla condição de contribuinte de direito (porque integra o polo passivo da obrigação tributária correspondente) e de contribuinte de fato (porque suporta a carga econômica do tributo). Isso porque, ao contrário do que ocorre com os consumidores livres, que podem adquirir produtos de qualquer fornecedor, no caso de fornecimento de energia a situação é diversa, porquanto não tem essa opção.

2. Fato Gerador do ICMS na Energia

            O ICMS é um dos impostos mais complexos do sistema tributário.[2] Conforme preceitua a Constituição Federal, a hipótese de incidência de ICMS tem seus elementos delineadores insculpidos no artigo 155, inciso II da CF, § 3º.

            O aspecto material do fato gerador do ICMS incide sobre a realização de operações relativas a circulação de mercadoria. A circulação pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, o efetivo consumo. Sem a mudança de titularidade não se pode falar em incidência de ICMS. Com efeito: “a base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e comunicação, ainda que iniciados no exercício anterior (art. 155, II da CF).[3]                  

            Podemos afirmar que o fato gerador da incidência do ICMS é a realização da circulação da mercadoria, no caso do presente estudo (efetivo consumo de energia elétrica), e não somente a sua colocação à disposição do consumidor. É definido no artigo 2° do Convênio 66/88 como momento do fato gerador da circulação da energia elétrica: “(…)V – na saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento de mesmo titular; VI – Na saída de mercadoria do estabelecimento extrator, produtor ou gerador, para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área continua ou diversa destinada a consumo ou à processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas.”

            Deste modo o fato gerador eleito pelo legislador é o momento da entrega da energia elétrica no estabelecimento adquirente, sendo esta o marco de tempo hábil à demarcar a incidência da norma jurídica tributária.        O valor da fatura irá nominar a base de cálculo para a cobrança de ICMS, pelo ato de circular a “mercadoria” “energia elétrica”, na operação da qual irá efetivamente ocorrer a sua saída. Não há de se falar em incidência do ICMS sobre o valor da operação que resultou garantia de potência para o consumidor, e, sim para aquele efetivo consumo de energia.

         Com efeito, é ilegal a inserção na base de cálculo do ICMS do valor da “demanda de energia”, vez que estas são penalidades impostas pelo não consumo da energia disponibilizada, no contrato firmado com o concessionário, não havendo, assim, fato gerador do ICMS.

            Neste diapasão, se posiciona o emérito Professor Roque Antônio Carrazza[4]: “A base de cálculo possível do ICMS incidente sobre energia elétrica é o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria (a energia elétrica) ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria ao consumidor final. Isto corresponde, na dicção do art. 34, § 9º, do ADCT ao ‘preço praticado na operação final’. O preço, ressaltamos com ênfase, consiste na parte essencial no cálculo do ICMS. A base de cálculo do imposto não pode ser diversa do valor da operação da qual decorra a entrega da mercadoria ao consumidor, não comportando esta qualquer incremento ou majoração.”

            No mesmo sentido, leciona o Professor Hugo de Brito Machado:[5] “ Nos contratos de fornecimento de energia elétrica, as distribuidoras estabelecem, para determinada categoria de consumidores, a obrigação de pagar a demanda contratada. E calculam o ICMS sobre o valor cobrado em suas faturas, vale dizer, incluem na base de cálculo do imposto o valor recebido, sem que a energia elétrica tenha sido efetivamente fornecida. A ilegalidade é evidente. O fato gerador do ICMS não é o contrato, mas a efetiva entrega da energia elétrica. Não pode, pois, o imposto incidir sobre um valor que é pago pelo cliente da distribuidora apenas para ter a garantia desta de que lhe fornecerá a energia, se houver necessidade.”.

            Não poderia ser diferente uma vez que dispõe o artigo 116, II do Código Tributário Nacional: Art. 116 – Salvo disposição em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes em seus efeitos: (…) II – Tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja efetivamente constituída, nos termos de direito aplicável.”

            Somente há incidência do ICMS sobre energia elétrica, se de fato houve uma “situação jurídica”, pela efetiva circulação de energia elétrica no estabelecimento consumidor, o fato se dá com efetivo consumo, e, não apenas pelo pacto contratual de reserva de potência.

            O artigo 116 do Código Tributário Nacional determina o aspecto temporal da ocorrência do fato gerador do ICMS apenas se não houver disposição de lei em contrário, sendo que no caso sob análise não há legislação a contrário senso.

            Há um erro no entendimento sobre o aspecto temporal, visto que não ocorreu incidência no que diz respeito ao desenho da regra matriz do ICMS sobre operações de circulação de energia elétrica, pois o artigo 155, § 3° da Constituição Federal, os artigos 1°, 2° e 198 do convênio ICMS n° 66/88, o artigo 12, I, da Lei Complementar n° 87/96 e, ainda, as normas complementares, fixam inequivocadamente na entrega da energia ao consumidor o marco temporal em que se reputa ocorrido o fato gerador do ICMS incidente sobre tal operação.

3. Sujeito Passivo da Obrigação Tributária

            Diz o art. 121 do CTN que o sujeito passivo da obrigação principal contribuinte é a pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, e responsável tributário quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.[6]

            É fato que o responsável tributário é pessoa que, tendo relação com o fato gerador, a lei atribui responsabilidade para o recolhimento do tributo; este não se confunde com o contribuinte em si, pessoa que, naturalmente, seria o sujeito passivo da obrigação tributária.

Ao examinar essa conceituação do CTN, Hugo de Brito Machado [7] assinalou: “O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa natural, ou jurídica, obrigada a seu cumprimento.” Também Paulo de Barros Carvalho[8] ensina que: “sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculem meros deveres instrumentais ou formais”.

            A definição do conceito de “relação jurídica tributária” encontra-se vinculada ao conceito de direito positivo tributário, o qual, por sua vez, consiste no complexo de normas jurídicas válidas que se referem, direta ou indiretamente, ao exercício da tributação: instituição, fiscalização e arrecadação tributária. Considerada em seu sentido estrito, “obrigação tributária” é o vínculo abstrato em que uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial, decorrente da aplicação de norma jurídica tributária.

            Surgida a obrigação tributária mediante a aplicação da respectiva regra-matriz de incidência, nasce, simultaneamente, o crédito tributário. Trata-se de elemento indissociável da obrigação de pagar tributo, consistente no direito subjetivo de que é possuidor o sujeito ativo.

            Hugo de Brito Machado em sua obra Curso de Direito Tributário, Malheiros, 2009, p.172, citado por Leandro Paulsen[9], assim discorre sobre o crédito tributário: “é o vínculo jurídico de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).”.

4. Explicação Sobre a Demanda de Energia

            Os consumidores de grande quantidade de energia firmam contrato de fornecimento de energia com as empresas concessionárias fornecedores de energia elétrica ao seu estabelecimento. Neste contrato são previstas duas cobranças distintas, calculadas de diferentes formas. A primeira delas decorre do efetivo consumo da energia elétrica pelo estabelecimento, ou seja, o consumidor paga pela energia que saiu dos terminais das fornecedoras de energia e ingressou no seu estabelecimento. A outra cobrança é um pouco mais complexa e requer, por isso, uma melhor explanação.

            No caso de necessidade grande quantidade de energia elétrica ao longo do mês, as fornecedoras de energia buscam fazer uma previsão de energia que será consumida, buscando assim evitar racionamento e apagões. Mais especificamente, as fornecedoras de energia elétrica, cuidando para não serem surpreendidas com uma súbita conjunta na demanda de energia, medem a quantidade de energia elétrica demandada para cada estabelecimento. E de acordo com essa medição, será feita a segunda cobrança ao consumidor.

            Assim, o consumidor celebra contrato de fornecimento de energia elétrica com a respectiva fornecedora e se estabelece quantidade máxima de energia que será demandada por seus estabelecimentos. Esta será a demanda contratada, sobre a qual incidirá um pagamento mensal, feito pelas empresas às fornecedoras de energia elétrica. Caso extrapole, em qualquer momento esse limite contratual as empresas pagarão á fornecedora uma sobretaxa – entenda-se, uma multa -, que será cobrada em adição ao valor da demanda contratada. Em outras palavras: a fornecedora de energia, fazendo uso do medidor de demanda de energia escolhe o período que revele maior pico máximo do estabelecimento. Esse pico máximo não pode ser superior à demanda contratada, sob pena de desencadear a incidência de sobretaxa (ou tarifa de ultrapassagem).

            Note-se, portanto, que esse contrato de fornecimento de energia é feito justamente para que as concessionárias de energia estejam previamente preparadas para disponibilizar as grandes consumidoras o quantum de energia necessário à realização de suas atividades, ao mesmo tempo em que, estas últimas estejam atentas a não extrapolar, no decorrer da realização de suas atividades, a demanda de energia prevista contratualmente, evitando assim pagar multas e acréscimos contratuais às fornecedoras, bem como panes ou mesmo falta de energia elétrica.

            Sobre o ponto de vista acima delineado, percebe-se que o valor da demanda de energia não revela o efetivo consumo de energia. Esclarecedor quanto ao tema é Hugo de Brito Machado citado por Leandro Paulsen: “Nos contratos de fornecimento de energia elétrica as distribuidoras estabelecem, para determinada categoria de consumidores, a obrigação de pagar a demanda contratada. E calculam o ICMS sobre o valor cobrado em suas faturas, vale dizer, incluem na base de cálculo do imposto o valor recebido sem qualquer energia elétrica tenha sido efetivamente fornecida. A ilegalidade é evidente. O fato gerador do ICMS não é o contrato, mas a efetiva entrega de energia elétrica. Não pode, pois, o imposto incidir sobre o valor que é pago pelo cliente da distribuidora apenas para ter a garantia desta de que lhe fornecerá a energia se houver necessidade.”[10].

5. Diferença entre Demanda de Energia e Consumo de Energia

            Indubitavelmente há diferença entre esses dois itens, até porque consistem (a demanda e o consumo de energia elétrica) em grandezas diferentes – o primeiro expresso em KW enquanto o segundo KWh. Na verdade, trata-se de dois modos distintos de se medir a mesma energia elétrica: um deles (em KWh) a exata quantidade de energia consumida pela empresa; o outro (em KW) apenas os picos de energia.

            Fazendo uma curiosa comparação, a situação aqui narrada é similar á um veículo automotor que para percorrer determinado número de quilômetros (Km) paga um valor a título de pedágio. Por outro lado, é certo que, ao longo daquela mesma estrada, existem radares eletrônicos que medem a velocidade do veículo (Km/h), a qual se ultrapassar o limite constante na sinalização, ensejara aplicação de multa. Da mesma forma, para consumir energia elétrica (KWh), o consumidor paga um valor que mudará de acordo com a quantidade de energia consumida ao mês. Por outro lado, é certo que, ao longo daquele mesmo mês, um aparelho medirá a demanda de energia elétrica (KW), a qual, se ultrapassar o limite estabelecido mo contrato celebrado com a fornecedora de energia elétrica, ensejará uma penalidade (sobretaxa ou tarifa de ultrapassagem).

            A diferença entre demanda de energia e consumo de energia pode ser verificada só pela observação da fatura. Nestas os valores de uma e de outra são destacados separadamente. Observe-se que há um medidor específico para demanda em (KW) e outro para consumo efetivo (KWh), inclusive os valores de cobrança são faturados separadamente. Portanto, demanda de energia não é consumo de energia. Por essa razão, o enunciado da Súmula/STJ nº 391 em sua redação está equivocada[11].

6. A Legitimidade Ativa e Interesse do Consumidor de Energia na Repetição Indébito

O contribuinte que efetua o pagamento do tributo, geralmente conhecido como contribuinte de direito, tem legitimidade para a ação de repetição do indébito, salvo naqueles casos em que a lei autoriza expressamente a transferência do ônus respectivo para terceiro, que em tal situação, a nosso ver, assume também a condição de contribuinte de direito. O ICMS e o IPI são exemplos de tributos que, por sua constituição jurídica, comportam a repercussão do encargo financeiro (tributos chamados de indiretos), razão pela qual sua restituição ao contribuinte de direito reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus tributário ao “contribuinte de fato”. Com essa posição, recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça: “O usuário do serviço de energia elétrica (consumidor em operação interna), na condição de contribuinte de fato, é parte legítima para discutir pedido de compensação do ICMS supostamente pago a maior no regime de substituição tributária. Esse entendimento é aplicável, mutatis mutandis, em razão da decisão tomada no REsp 1.299.303/SC, julgado pela sistemática prevista no art. 543-C do CPC, em que se pacificou o entendimento de que o consumidor tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada. AgRg no RMS 28.044-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/11/2012”.

No caso da energia elétrica, o tributo integra a tarifa e, portanto,  não há como deixar de ser repassada ao consumidor final, único que terá interesse em promover ação judicial. Além disso, não há concorrência no mercado de fornecimento de energia, sujeitando-se o consumidor ao repasse na tarifa.  Nesse sentido, o consumidor de energia é o legitimado ativo na propositura da ação, uma vez que: “a legitimidade ad causam consiste na pertinência subjetiva da ação e é identificada a partir da situação jurídica de direito material objeto da lide”.[12]

            A legitimidade ad causam é uma das condições da ação, prevista nos arts. 3º e 267, VI, do CPC, consistente na relação de pertinência entre a parte e o direito objeto da lide (pertinência subjetiva), ou seja, relaciona-se com a titularidade da ação (plano ativo) e a resistência à pretensão (aspecto passivo). Além dos pressupostos processuais, exige-se que a parte esteja inserida na relação de direito material discutida. Consequentemente, só podem ser partes “[…] os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva, ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão”[13]. Todavia, o legitimado não necessariamente será o titular do direito sub judice, pois a procedência do pedido não retira a legitimidade do réu, tampouco a improcedência exclui a legitimidade ad causam do autor [14]. Em regra, a legitimidade ad causam é ordinária quando o próprio titular exerce a condição de parte, mas pode também ser extraordinária, nas hipóteses em que a parte, em nome próprio, defende direito alheio, na denominada substituição processual.

            A legitimidade ad causam é, portanto, a condição da ação que diz respeito à solução do problema decorrente da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva.[15] No caso da repetição de indébito há que se obervar: “ a posição da pessoa do “responsável” frente a atividade tributária, focando todos os aspectos das diversas relações jurídicas específicas que lhe dizem respeito. É importante focar as peculiaridades materiais, formais e de procedimento que são inerentes a cada uma delas.”[16]

Como é cediço, na doutrina e na jurisprudência o interesse de agir é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade.

Assim, o interesse de agir pode ser definido, segundo corrente lição doutrinária, como a utilidade da tutela jurisdicional pretendida, só está presente quando tal tutela é necessária, e quando se pretende obter o provimento a adequado, pelo meio adequado, para a solução da lide que provocou a tutela jurisdicional. No caso em tela, não se pode dizer que não exista o interesse dos consumidores de energia. Entretanto, no que se refere às concessionárias de energia não será útil à tutela jurisdicional, pois, como dito, os valores do imposto já integram a tarifa de energia e é repassada ao consumidor final por força normativa.

7. Considerações finais

            Como visto, apenas a tarifa decorrente do consumo (expressa em Kwh) integra a base de cálculo do tributo.A só disponibilização da potência, portanto, seja utilizada ou não, não se constitui em consumo de energia elétrica sujeito ao ICMS. É  a utilização da potência que refletirá o consumo, esse sim, tributado. Diante disso, afirmar que incide ICMS sobre a “demanda de potência efetivamente utilizada” significa admitir a incidência sobre a demanda de potência.

            O enunciado da Súmula/STJ nº 391 reconhece que apenas incide o ICMS sobre o consumo efetivo de energia elétrica, tendo apenas, por equívoco se referido à “demanda de potência efetivamente utilizada”, quando, em verdade, considera devido o ICMS apenas sobre o efetivo consumo. De duas uma: ou o ICMS incide sobre a demanda de potência contratada, ou não incide. Isso porque, como já dito, não há consumo de potênciaO consumo é da energia oferecida segundo determinada potência, a qual não é medida, cumulativamente, mas sim “utilizada”, ou “demandada”. Apenas a energia consumida é quantificada cumulativamente.

            Portanto, o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, e não sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência, porquanto estes, no caso, não constituem fato gerador do imposto.

            Na repetição do indébito o contribuinte de fato é parte legítima para propor a ação, mormente em razão do seu interesse processual em ver cessada a cobrança ilegal dos encargos em questão. Até porque, a empresa concessionária de energia elétrica nenhum interesse possui em discutir tal questão no Judiciário, porquanto ela não sofre o ônus respectivo, na medida em que, o repassa aos seus consumidores e é daí que emerge a possibilidade de conferir legitimidade ao contribuinte de fato, já que o artigo 166 do CTN determina que a restituição do indébito se dê a quem assumiu o ônus financeiro.

8. Referências bibliográficas.

ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2006.

[1] Eis a ementa do julgado: “RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA “CONTRATADA E NÃO UTILIZADA”. LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. – Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada. – O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica. Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil.” (REsp 1.299.303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 14/08/2012.)”.

[2] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 p. 263.

[3] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 987.

[4] CARRAZZA, Antônio Roque. ICMS: da Impossibilidade da Incidência do Imposto sobre a Chamada Sobretarifa de Energia Elétrica. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v.74, p.84-85, nov. 2001.

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos do ICMS no fornecimento de energia elétrica,  Juris Síntese nº 74 – NOV/DEZ de 2008.

[6] ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 595.

[7] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 96.

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 204.

[9] PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 1000.

[10] PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 332.

[11] Súmula/STJ nº 391 – “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.”.

[12] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado 2ª Ed. ver. atul.  e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 42.

[13] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2006. p. 67.

[14]  “Não estão legitimados apenas os titulares da relação jurídica substancial, como se possa pensar numa análise superficial, mas os titulares da relação substancial afirmada em juízo, que é meramente hipotética, pois é possível que, ao se examinar o mérito, seja declarada a sua inexistência, julgando-se improcedente o pedido do autor. Exemplificativamente, se A promove uma ação de investigação de paternidade em face de B, afirmando que este é seu pai, mesmo que o exame pericial demonstre o contrário, não se pode dizer que haja ilegitimidade para a causa. É o pedido que deve ser julgado improcedente” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 74-75).

[15] LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Vol. I, 2. ed. Tradução e NOTAS CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 157.

[16] PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.206.

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